domingo, 7 de março de 2010

Heavy Rain

Sou um idiota.

Na nervosa ansiedade de querer descortinar minúsculos e irrelevantes detalhes sobre Heavy Rain, através de notícias, vídeos e reacções, acabei por levar um tiro como espectador/jogador. Algures no Youtube, um comentador escreve maldosamente “Deus, não acredito que _____________ é o assassino do Origami”. E o meu mundo desaba. Depois de Omikron e Indigo Prophecy me terem tornado numa espécie de fã de David Cage, caí no erro de desrespeitar o mistério do seu último thriller

Sendo um amante de policiais, na tela ou no papel, não há maior pecado do que começar uma aventura deste tipo a conhecer a identidade do criminoso. No entanto, nas melhores explorações do género, o importante acaba por não ser o whodunnit, mas sim a viagem até lá chegarmos – e Heavy Rain é, quase sempre, magnificente na apresentação do seu mundo. Cage não me aplicou pena capital por ser um idiota.

O primeiro capítulo, que pode parecer um tutorial da sua mecânica, encerra várias características que associo às melhores aventuras: não-linearidade de exploração, espaços e momentos contemplativos, lugar para a hesitação quotidiana e, numa indústria que aposta em dirigir de forma castradora o jogador, uma reconfortante incerteza sobre o que fazer. Terminado o parágrafo introdutório, e depois de uma sequência emocionalmente avassaladora, o jogo entra na intriga policial e revela duas influências centrais: o filme Seven nos melhores pormenores estéticos (Saw nos piores) e o jogo Blade Runner de 1997 nos códigos noir e na liberdade narrativa.

Apesar de a intriga se mover terminantemente em direcção à sua resolução, Cage pontua todas as áreas do jogo com parêntesis espaciais que possibilitam a reflexão sobre as personagens e o respectivo ambiente. Assim, é-nos dado tempo para admirarmos a densa atmosfera criada.


Todavia, Heavy Rain não vive apenas de silêncios e de planos lânguidos inspirados pela obra de Edward Hopper. Suceder-se-ão vários confrontos e sequências de perseguição que irão testar os reflexos e nervos do jogador. O incumprimento do “input” exigido não termina o jogo, e a história continua de forma elegantemente consecutiva, mesmo se com alguns problemas estruturais: por exemplo, das personagens, sentimos que não sabemos o suficiente para que nos despertem um interesse genuíno, uma vez que reagem apenas às situações-limite a que são expostas, falhando na materialização de uma identidade particular; e a escrita, pontualmente competente, nunca excede a qualidade dos diálogos que poderíamos encontrar no mais banal dos thrillers de série B.

Mas Heavy Rain não é um filme. É um jogo. E é nessa dimensão que brilha como experiência íntima e comovente, visualmente revolucionária. Cage prefere que Heavy Rain seja jogado apenas uma vez. Entendo-o. É a única forma de o personalizar. Mas aconselho a que vejam outra pessoa a fazê-lo. Ficarão surpreendidos com a profundidade que foi aplicada à construção de hipóteses.

4.5/5

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