sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Infinity Blade


O iPod Touch tornou-se recentemente na minha única janela para o mundo dos jogos (excluindo walkthroughs no youtube). Apesar de ter experimentado vários títulos razoáveis que nunca terminei (Ace Attorney, Puzzle Agent, One Dot Enemies [que não tem fim!], Spider, Rage HD), nunca senti que a plataforma pudesse competir com máquinas como a DS ou a PSP: a ausência de botões, pessoalmente, origina uma insuficiência no controlo tão desproporcionada que jogar Mirror’s Edge ou um qualquer simulador de corridas não é muito diferente de assistir a um vídeo no youtube. Deve ser isto que a imprensa apelida de jogos casuais.

Esta perceção mudou radicalmente ontem à noite com a meia-hora que passei com Infinity Blade.

Apresentando uma tecnologia gráfica deveras impressionante, IB reintroduz um conceito de navegação que sempre me pareceu muito satisfatório: o utilizador toca num objeto ou local, e o avatar caminha até à seleção numa sequência de planos harmoniosos que pavoneiam o poderoso motor Unreal. Dado que a inexistência de botões não permite uma navegação 3D livre, este sistema não só me parece pertinente como liberta o jogo do conceito convencional de jogabilidade absoluta.

Já estou a ver muita gente a acusar a produção de confinar o jogador, de não ser mais do que uma demonstração tecnológica, mas ao contrário da galeria de tiros em montanha-russa de Rage, IB contempla pausas e momentos de escolha, e parece querer contar qualquer coisa.

Joguei muito pouco, e ainda não tive tempo para explorar as mecânicas de combate e as características de role-playing, mas, para já, foi o único jogo neste sistema que me fez sentir alguma excitação.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Extra lives

Tom Bissel, escritor de literatura de viagens e jornalista interessado em política, resolveu abordar os jogos de vídeo no livro WHY VIDEO GAMES MATTER. 

Extremamente curioso este título, dado que grande parte dos jogos que Bissel expõe para justificar a premissa do livro não poderem ser menos importantes: Gears of War (1&2), GTA4 (o melhor jogo que Bissel alguma vez jogou, acompanhado de doses generosas de cocaína), Far Cry 2, LEFT4DEAD, Call of Duty 4... Lá pelo meio são referidos, por obrigatoriedade, o Resident Evil original, Braid e uns quantos títulos indie favoritos da critica - e por esta enumeração já se percebe que jogos e arte não são o forte de Bissel. 

Não sei se o facto de Bissel apenas jogar consolas contribui para a sua vesga perspectiva sobre o potencial poder narrativo e emocional dos jogos, mas é inquietante pensar que este livro é considerado uma obra necessária na avaliação dos jogos como forma de arte e que é recomendado em revistas sobre livros. Aliás, foi através de um podcast do New York Times sobre literatura que resolvi lê-lo.

Um livro desalentador, supérfluo, desinformado e com uma perspectiva completamente hollywoodesca sobre este tipo de "entretenimento". O detalhe com que Bissel descreve a maior das banalidades mecânicas num qualquer blockbuster de acção é inacreditavelmente risível. Espero, com franqueza, que Bissel continue vidrado a fragar amigos na rede XBOX Live e que ninguém o leve muito a sério.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Obama: Gaming A Concern For Education



E sabem que mais? Ele tem razão.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Resident Evil 0


Basta prestar atenção à música drone na introdução, pouco depois de o helicóptero se despenhar na floresta negra, para percebermos que este prefácio narrativo ainda pertence à fase aterrorizante da série. 

Estamos, então, de volta à bela arte dos cenários pré-renderizados, às munições contadas, aos puzzles que nos obrigam a pegar numa caneta, num papel e a fazer contas, e aos planos barrocos. Logo no primeiro enquadramento, a mise-en-scéne engole-nos sem pedir licença: o realismo da chuva que cai na carruagem, juntamente com a habilidade da iluminação aplicada, sugerem, sem timidez, uma (des)agradável noite de terror.

Apesar de ser uma cópia meticulosa do sistema estético e formal do remake de Resident Evil produzido para a Gamecube, RE 0 introduz a novidade de termos um parceiro controlado pelo computador durante a exploração da feira de horrores – sistema que viria a ser reciclado de forma mais válida em RE 5, corrompendo, no entanto, a experiência claustrofóbica associada ao single-player. Tal como nos episódios anteriores, o jogador necessitará de recorrer a alguma estratégia na escolha e organização de itens e saves - e o que para muitos parece ser uma falha, pessoalmente só enriquece o desespero desencadeado pelo ambiente inquietador.



Contudo, e com a intenção de repudiar o jogador e de se agrupar às piores (melhores?) séries z, cai na tontaria esporádica no traçado dos monstros: macacos com raiva, morcegos colossais, sapos com línguas de 4 metros e gafanhotos espalhafatosos, provocam-nos mais riso do que repúdio.

Resident Evil 0 é o canto do cisne da fase estóica do franchising, antes de este ter encarrilado na acção pura: atmosférica, aditiva e brilhante em RE 4, corriqueira e cliché em RE 5. É o prego no caixão de um género, o “survival horror”, que a Capcom e Shinji Mikami institucionalizaram. Desde então, abandonou-se a vontade de assustar em prol da vontade de entreter, de preferência com músculo e pirotecnia.

4/5

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Tetris: da Rússia com Amor

As primeiras memórias que tenho de Tetris são da versão arcade da Atari. A máquina, num café perto de casa, irradiava uma magia inultrapassável pelas máquinas de pinball, Snow Bros. e Bubble Bobble. Anos depois, a versão para o Gameboy viria a fascinar inveteradamente toda a minha família e amigos.


O excelente documentário da BBC conta a história de como Alexey Pazhitnov desenvolveu o jogo e de como este, de forma descontrolada e imparável, veio a dominar o mundo - numa altura em que a indústria já se mostrava empenhada em vulgarizar mecânicas de destruição, por oposição ao puzzle construtivista de Tetris.

Podem vê-lo aqui.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Bioshock 2


E o prémio para o jogo mais supérfluo do ano vai para Bioshock 2!

Na ânsia de larapiar as nossas carteiras, a 2K resolveu escravizar a assombrosa cidade de Rapture em nome das suas próprias reservas de capital - Rapture devia ter sido uma experiência única, caríssimos senhores de fato da 2K.

Toda a admirável delicadeza deste mundo sai evaporada e desmistificada com uma nova visita. É tudo um interminável déjà vu. Sim, claro, podem-se contar mais histórias lá dentro – uau, agora somos um Big Daddy e podemos fazer escolhas que influenciam o final do jogo, ena -, mas ao fazê-lo estamos a desvirtuar a identidade da cidade. É como usar Xanadu para fazer um filme sobre, hum, a história do mordomo de Kane.

E estava receptivo, a sério. Cheguei a pensar que esta desculpa-para-fazer-mais-dinheiro poderia estar ao nível da saga Metroid Prime, por exemplo, que me apaixonou nos seus três capítulos. Mas não, meus caros, não. Façamos o seguinte exercício. Tentem imaginar que o Jonathan Blow resolvia fazer um Braid 2. Doloroso, não é? Pois é, Bioshock 2 é Braid 2.

Mas tem um ponto a favor: o multiplayer (e nem nas minhas mais loucas fantasias sobre este jogo imaginaria escrever isto). Com um sistema de ranking do tipo Killzone 2/Modern Warfare 2 (o meu Word acabou de me avisar, com uma janela, que ultrapassei o número de 2 permitidos por 300 palavras de texto), a componente multijogador de Biocash 2 (aviso sonoro!) disponibiliza várias personagens a lutar na guerra civil de Rapture. Cada uma delas tem um background eventivo e uma personalidade bem montada, e tiro a tiro são-nos reveladas pequenas particularidades sobre cada uma delas. O texto que exclamam durante a acção é delirante e, acreditem, é mesmo um gozo participar nesta experiência fabricada pela Sinclair Solutions para testar armas e plasmids.

Podiam ter descartado o single-player e ter vendido o multiplayer a 20 euros – Bioshock: Civil War. Uma alternativa aceitável.

2/5

segunda-feira, 15 de março de 2010

Boas notícias para pessoas que adoram más notícias

Às vezes, a cultura dos jogos de vídeo não se faz apenas de notícias desanimadoras. Para contrabalançar a análise tragicamente realista do Rui, resolvi resumir numa lista de tópicos o que considero ser um período bastante decente que se aproxima a passos largos:


  •  Limbo e The Misadventures of P. B. Winterbottom partilham uma sensibilidade estética distinta e apurada, assim como um gosto por conceitos de gameplay, digamos, cerebrais.


  •  Os carismáticos Sam and Max voltam para uma terceira temporada com The Devil’s Playhouse e prometem homenagear os episódios da Quinta Dimensão com o seu típico humor desvairado, escrito com muita sagacidade.


  • L.A. Noire que, numa primeira instância, parecia ser mais um clone redundante de GTA, pode vir a ser uma experiência de época muito interessante na forma como captura o molde dos policiais hard-boiled. Apesar de os criadores já terem afirmado que não se trata de um jogo de aventura, espero que haja bom senso e o produto final consiga apresentar uma harmonia saudável entre a acção e o trabalho de detective mais cadenciado.


  • O mítico The Path, para celebrar o seu primeiro aniversário, será relançado numa versão especial em USB acompanhado de making of, traduções actualizadas, entrevistas e detalhes sobre a banda sonora.


  • 3D Dot Game Heroes, um exercício de estilo vanguardista que simetriza o Legend of Zelda da NES (assim como Van Sant replicou em forma de instalação artística, incompreendida, o Psycho do Hitchcock [e sempre que comparo filmes e jogos sai disparate]), irá com certeza fazer delirar os fãs da série e os desejosos de sensações 8-bit experimentais – e já tem versão europeia. O facto de ser criado pela From Software, que lançou o ano passado o fabuloso e austero Demon’s Souls (e sempre que penso neste título chego à conclusão que é dos melhores jogos que joguei nos últimos anos), garante, quase sem dúvida, excepcionalidade.
Com vêem, nem só de óbitos tristes se faz o mundo dos jogos. Continua a haver esperança – e Heavy Rain já vendeu 700 000 cópias.

domingo, 7 de março de 2010

Heavy Rain

Sou um idiota.

Na nervosa ansiedade de querer descortinar minúsculos e irrelevantes detalhes sobre Heavy Rain, através de notícias, vídeos e reacções, acabei por levar um tiro como espectador/jogador. Algures no Youtube, um comentador escreve maldosamente “Deus, não acredito que _____________ é o assassino do Origami”. E o meu mundo desaba. Depois de Omikron e Indigo Prophecy me terem tornado numa espécie de fã de David Cage, caí no erro de desrespeitar o mistério do seu último thriller

Sendo um amante de policiais, na tela ou no papel, não há maior pecado do que começar uma aventura deste tipo a conhecer a identidade do criminoso. No entanto, nas melhores explorações do género, o importante acaba por não ser o whodunnit, mas sim a viagem até lá chegarmos – e Heavy Rain é, quase sempre, magnificente na apresentação do seu mundo. Cage não me aplicou pena capital por ser um idiota.

O primeiro capítulo, que pode parecer um tutorial da sua mecânica, encerra várias características que associo às melhores aventuras: não-linearidade de exploração, espaços e momentos contemplativos, lugar para a hesitação quotidiana e, numa indústria que aposta em dirigir de forma castradora o jogador, uma reconfortante incerteza sobre o que fazer. Terminado o parágrafo introdutório, e depois de uma sequência emocionalmente avassaladora, o jogo entra na intriga policial e revela duas influências centrais: o filme Seven nos melhores pormenores estéticos (Saw nos piores) e o jogo Blade Runner de 1997 nos códigos noir e na liberdade narrativa.

Apesar de a intriga se mover terminantemente em direcção à sua resolução, Cage pontua todas as áreas do jogo com parêntesis espaciais que possibilitam a reflexão sobre as personagens e o respectivo ambiente. Assim, é-nos dado tempo para admirarmos a densa atmosfera criada.


Todavia, Heavy Rain não vive apenas de silêncios e de planos lânguidos inspirados pela obra de Edward Hopper. Suceder-se-ão vários confrontos e sequências de perseguição que irão testar os reflexos e nervos do jogador. O incumprimento do “input” exigido não termina o jogo, e a história continua de forma elegantemente consecutiva, mesmo se com alguns problemas estruturais: por exemplo, das personagens, sentimos que não sabemos o suficiente para que nos despertem um interesse genuíno, uma vez que reagem apenas às situações-limite a que são expostas, falhando na materialização de uma identidade particular; e a escrita, pontualmente competente, nunca excede a qualidade dos diálogos que poderíamos encontrar no mais banal dos thrillers de série B.

Mas Heavy Rain não é um filme. É um jogo. E é nessa dimensão que brilha como experiência íntima e comovente, visualmente revolucionária. Cage prefere que Heavy Rain seja jogado apenas uma vez. Entendo-o. É a única forma de o personalizar. Mas aconselho a que vejam outra pessoa a fazê-lo. Ficarão surpreendidos com a profundidade que foi aplicada à construção de hipóteses.

4.5/5

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Autechre: Oversteps


O novo álbum de Autechre, dupla de magos da electrónica cortante e inovadora, ilustra na perfeição as possibilidades do sound design mais experimental e elegante, quando suportado por parágrafos mutantes que integram longas frases melódicas lidas por diferentes vozes.

O corpo deste disco, texturado com detalhes e moldes inigualáveis na sua beleza clínica, parece ideal para um jogo vanguardista inequivocamente conceptual.

Numa altura em que as bandas sonoras dos jogos se aproximam cada vez mais das sinfonias militares de um qualquer clone do "Die Hard", não seria má ideia alguém se lembrar destes tipos.

Podem comprar o disco aqui.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

The McCarthy Chronicles: Episode 1


Adventure Game Studio é uma ferramenta grátis que permite criar aventuras "point-and-click". Através desta interface, já foram lançados jogos como Ben There, Dan That e 5 Days a Stranger. Esteticamente, estes títulos assemelham-se às primeiras aventuras da Lucasarts e da Sierra On-Line, onde a baixa resolução e os puzzles de inventário reinam.

The McCarthy Chronicles segue esta linha, destacando-se pela sua atmosfera apaixonadamente noir. Um noir clássico, à la “The Big Sleep”, que segue milimetricamente as convenções do género. A título de exemplo, o jogo abre com o narrador-protagonista morto pronto a explicar a história por detrás do seu assassinato, remetendo-nos para Sunset Boulevard.

São escassos os exíguos truques utilizados pelo seu designer, Calin Leafshade, para solidificar a atmosfera arrepiante do jogo. No entanto, revelam-se extraordinariamente eficientes: uma belíssima palete a preto e branco, filtros de ruído na imagem, efeitos de chuva, banda sonora composta por reverberações de piano e guitarras pós-rock e um trabalho de voz decididamente opressivo.

O jogo é curto (cerca de uma hora) e os puzzles não apresentam nenhuma dificuldade. O principal objectivo do criador é contar uma história policial/fantástica bem escrita através de um género esquecido que parece estar a ser reanimado. Esperemos que os próximos episódios mantenham o mesmo nível de qualidade. Podem descarregá-lo grátis aqui.

3.5/5

Bionic Commando


Parece-me curioso que depois de terminar Bionic Commando fique com vontade de jogar Bionic Commando Rearmed – e não pelas melhores razões.

A Capcom tentou recriar o velho jogo da NES com a mais recente tecnologia gráfica e o resultado visual é espantoso. Mas ao baloiçarmos com o nosso braço metálico pelos cenários urbanos e industriais apercebemo-nos que o fazemos apenas por respeito à dedicação empregue na criação do mundo e não pela jogabilidade.

A história, mal contada (facto já intrínseco à maioria dos jogos de acção de elevado orçamento), serve de plataforma para uma experiência furiosa, mas quase sempre repetitiva e desequilibrada. Por cada meia-hora em que planamos entusiasticamente (o verme robótico e a sequência com os helicópteros, por exemplo), levamos com 3 horas de um sortido de desafios pouco variados e entediantes.

Os inimigos e as situações reaparecem, e o grau de dificuldade é amplificado apenas pelo número de robots e soldados no ecrã. Provavelmente, não ajudou o facto de o ter jogado em modo hard, mas para quem acha que Demon's Souls inclui os checkpoints mais imperdoáveis dos últimos tempos, aconselho a experimentarem os últimos níveis de Bionic Commando. Frustração não é uma palavra suficientemente forte.

Salvam-se, então, 2 ou 3 sequências inteiramente espectaculares, um final pouco risonho (incomum neste tipo de jogos) e a reinterpretação maximal das melodias 8-bit originais.

2.5/5

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Ilustração narrativa em Bayonetta




Ando a jogar Bayonetta e apercebi-me que, durante a apresentação da história (vulgo cutscenes), prefiro-o estático. Passo a explicar. O intrincado e enigmático enredo é desembrulhado através de longas sequências que poderiam ter saído do teatro militar de Metal Gear Solid. Num abrir e fechar de olhos, entram e saem personagens do palco, numa montagem frenética de eventos que terminam invariavelmente  num par de minutos de acção explosiva bem coreografada.

No entanto, esta exposição é intercalada por um novo molde. Frequentemente, a acção, sempre processada em tempo real, é capturada num único frame em que apenas a câmara tem acesso ao movimento. Desenganem-se imediatamente os que pensam que se trata de uma espécie de efeito “Matrix”. Trata-se de uma opção estética que se aproxima mais da banda desenhada. Sucedem-se pequenas capturas inseridas numa película virtual em que a faixa sonora é reproduzida ininterruptamente. As personagens congeladas, como numa ilustração, ganham um poder figurativo. E é aqui que o jogo sai beneficiado, evitando o indesejado “uncanny valley”.

Por muito dinheiro e talento que se possa gastar em tecnologia motion capture e em motores 3D, é extremamente difícil (e aqui excluo grande parte dos filmes de animação 3D) convencer o jogador/espectador de que as personagens digitais possuem um carácter humano. Aliás, o efeito parece-me poder ser o inverso. Quantos mais pormenores de comportamento e detalhes fisionómicos animados são injectados, mais evidente é a inexistência humana. No pior do casos, o jogador, distraído pela parafernália tecnológica, passa a concentrar-se nos artifícios, abstraindo-se da componente narrativa. O jogo, com o impulso de querer mostrar tudo, perde a subtileza e anula o lugar para a imaginação.

Não quer isto dizer que não há espaço para a animação 3D, longe disso. Apenas me parece que, quando confrontada com outros modelos de exposição, às vezes sai a perder.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Fatale



Look at the moon. How strange the moon seems! She is like a woman rising from a tomb. She is like a dead woman. One might fancy she was looking for dead things.

Oscar Wilde escreveu a peça Salomé em 1891. Nesta versão da história evangelista, Salomé, filha de Herodíade e Herodes Antipas, desenvolve uma atracção mórbida por João Baptista, que continuamente acusa de incestuosa a relação dos pais de Salomé. João Baptista, depois de permanecer fechado numa cisterna durante um longo período de tempo, acaba decapitado por Herodes, a pedido de Salomé.

É precisamente na cisterna que começa Fatale. Como João Baptista, ouvimos uma interpretação da dança dos sete véus e vislumbramos Salomé  na dança com que conquista o coração de Herodes, levando-o a acabar com a vida de João Baptista. Os três actos de Fatale, mais próximos de uma instalação artística do que de um conceito normalizado de “jogo”, permitem-nos presenciar e descobrir a peça. A experiência é construída através de pequenos detalhes e rituais, e é completamente original na utilização deste meio.

Parece-me imprescindível a leitura da obra para uma análise correcta da forte carga simbólica de Fatale, pontuada por um desconcertante anacronismo semelhante a elementos da filmografia de Derek Jarman. Todavia, é possível apreciar esta instalação/jogo tendo como únicos referentes a sua intocável direcção artística e design de som. Os modelos das personagens, criados por Takayoshi Sato (Silent Hill 2), são arrepiantes na sua transparência emocional e a música de Gerry de Mol para a dança dos sete véus, longe dos motivos líricos de Richard Strauss, injecta um crescendo percussivo importante para a sequência.



Pena que os artistas da Tale of Tales não tenham os recursos e know-how para optimizar o motor 3D de Fatale. Consequentemente, nem a mais potente máquina consegue comportar os planos mais exigentes, resultando numa experiência desiquilibrada na sua fluidez. Sugestão: é preferível optar pela configuração gráfica de “simple” ou “good” a baixar de resolução.

Apesar das limitações técnicas, Fatale responde ao meu secreto desejo de ver o formato de jogo  caminhar para algo que ultrapassa ideias primitivas de “gameplay” ou “mecânica”. Uma experiência liminarmente original, erudita e com o potencial para abrir portas até agora dogmaticamente fechadas.

3.5/5

Trauma (previsão)



Trauma conta a história de uma jovem mulher que sobrevive a um acidente de viação. Em recuperação no hospital, tem sonhos que revelam diferentes aspectos da sua identidade - por exemplo, a forma como gere a perda dos pais. Trauma permite ao jogador experienciar estes sonhos de uma forma interactiva, semelhante às aventuras gráficas. No entanto, acaba por inovar esta fórmula consagrada, introduzindo uma interface baseada em movimentos, tecnologia 3D em tempo real para um layout dinâmico dos níveis, imagens fotográficas singulares e uma filosofia de design de níveis que incide na criação de uma experiência completa, por oposição ao limitado desafio de um puzzle elaborado. Apresentando uma história pouco convencional, tem como objectivo ser um jogo compacto e profundo destinado a um público adulto e literato.

Traduzido a partir da página oficial do projecto

domingo, 3 de janeiro de 2010

Dragon Age: Origins



Os RPGs ocidentais (WRPGs) conseguiram, nos últimos anos, destronar os seus homólogos nipónicos. Há vários factores relativamente menores que estão na origem desta nova tendência: certos detalhes estéticos e narrativos, uma ausência de títulos inovadores vindos do Japão e, talvez, um perigoso patriotismo ocidental que tem vindo a afastar os consumidores da cultura japonesa. No entanto, não podemos esquecer o mais importante: a qualidade geral dos WRPGs tem aumentado substancialmente e Dragon Age: Origins confirma-o.

Apesar de, à superfície, parecer uma cópia redundante do universo de fantasia de O Senhor dos Anéis e da estrutura de Baldur's Gate, a profundidade da interacção entre personagens e a mestria da Bioware em saber contar histórias transformam o título numa experiência obrigatória para aqueles que gostam de se perder num bom guião, mesmo quando, esporadicamente, ficamos com a sensação de estar a assistir a uma soap-opera com elfos. A narrativa, melindrosamente escrita, esconde vários segredos e “twists” e surpreenderá, inclusive, o jogador mais atento.

A premissa é simples e serve apenas de tapete para uma intenção superior que se prende com a apresentação e desenvolvimento de personagens. O reino de Ferelden foi invadido por um exército de criaturas maléficas e o jogador terá de reunir as diferentes facções residentes numa luta épica contra o inimigo (sim, o título do jogo deixa adivinhar um poderoso dragão como boss final).

As características do role-playing são similares a títulos anteriores da Bioware e possibilitam uma personalização total do protagonista. De igual forma, as diferentes decisões tomadas pelo jogador influenciam o universo do jogo e, consequentemente, a sua resolução. O génio, no entanto, reside nos pequenos pormenores. Por exemplo, é fácil convencer uma personagem a acompanhar o jogador nesta missão mas, de igual modo, esta pode abandonar o grupo devido ao comportamento moral do líder. Todas as decisões têm uma repercussão que abandona o lugar-comum da dicotomia entre bom e mau.



DAO, infelizmente, não se faz só de diálogos jocosos e personagens construídas com profundidade. O combate, pelo menos na versão para consola, é a parte menos conseguida do jogo. É possível definir tácticas para personagens específicas e pausar o jogo para aplicar poções e comandar o grupo, mas no meio da acção mais frenética, é comum ver os nossos feiticeiros e guerreiros perplexos com a salgalhada em que estão metidos. Ao jogador, igualmente desnorteado, só resta restaurar incessantemente a energia dos membros do grupo e torcer para que tudo acabe rápido e bem.

Contudo, não nos deixemos desapontar pela luta. DAO apresenta um argumento adulto, exemplarmente construído, que evita contornos sexistas e homofóbicos habituais nos jogos de vídeo e respectiva comunidade. A quantidade de informação disponível sobre o reino de Ferelden e os seus habitantes é numerosa e bem delineada. Foi com todo o prazer que dediquei 50 horas a DAO. Voltarei à magia de Ferelden assim que for publicado novo DLC.

4.5/5

Machinarium



Machinarium é o tipo de jogo que, com um único screenshot, consegue promover a eterna discussão sobre a possibilidade de os jogos serem considerados arte. Quando uma variedade de aspectos artísticos converge coerente e convincentemente num trabalho deste tipo, é impossível evitar esta questão – e qualquer pessoa sensível a pormenores de ilustração, animação, design de som e música responderá de forma positiva. Independentemente do currículo do jogador, é também o tipo de trabalho que pela criatividade empregue na sua realização tem o poder de comover profundamente.

Conduzidos pelos fundos, itens e personagens desenhados à mão, lembramo-nos do trabalho visual de Nicolas de Crécy e do melancólico humor slapstick de Buster Keaton. A banda sonora, de Tomas Dvorak, altamente influenciada por artistas da Warp Records, revela texturas dignas de uns Plaid, assim como detalhes glitch associados ao legado de Aphex Twin.

Para interagir com este mundo belíssimo e sedutor, é utilizada uma interface típica das aventuras gráficas dos anos 90. Clique, clique, clique – e o nosso adorável robot descortina-nos a sua história enquanto o ajudamos com puzzles inteligentes e bem integrados na narrativa. No caso de dúvida ou empanque, podem ser utilizados dois sistemas de ajuda. Um deles é um pequeno jogo em si mesmo (talvez para desmoralizar o jogador mais preguiçoso, obrigando-o a racionalizar um pouco mais) em que a solução é apresentada deliciosamente em forma de comic-book. É de louvar esta inclusão, uma vez que evita o recurso a gamefaqs que acabariam por interromper a imersão proporcionada pelo jogo.



Jakub Dvorsky, lead designer de Machinarium, refere Myst e Grim Fandango como obras influentes no seu trabalho, mas é impossível esquecermo-nos de Eric Chahi e dos seus Another World e Heart of Darkness. O isolamento, ausência de diálogo e desamparo num mundo que não é o nosso estão igualmente presentes. Todavia, é excluído o factor de perigo dos títulos de Chachi, aqui substituído por uma atribulada ternura.

Os artistas, designers e programadores da Amanita Design mostram-nos que não são precisos motores 3D de tecnologia de ponta para emocionar e envolver o jogador. Basta a linguagem Flash, dedicação e bom gosto. Experienciar Machinarium não é muito diferente de ver uma metragem de animação de qualidade no Cinanima ou de ler banda desenhada independente. Apenas difere no elemento de interactividade e, pessoalmente, só ganhamos com isso.

Para responder à incontornável pergunta do primeiro parágrafo, “Sim, Machinarium é arte”.

5/5
Podem comprá-lo aqui por uns simbólicos 14 euros.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Cultura e Jogos de Vídeo


Bem-vindo.

Neste espaço, poderá encontrar análises e impressões sobre o universo dos jogos de vídeo, sempre de uma perspectiva exterior ao círculo mainstream. Nunca são demais os blogs que têm como principal intenção elevar a arte dos jogos de vídeo para um nível onde se possam originar impressões adultas sobre um veículo que rápida e indelevelmente se integra na cultura mundial.

Trata-se, então, de apenas mais um blog numa teia de críticos caseiros que vê os jogos como uma possibilidade que ultrapassa o puro divertimento, proporcionando um impacto emocional associado ao conceito mais cru de arte.

Vemo-nos por aqui.