terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Fatale



Look at the moon. How strange the moon seems! She is like a woman rising from a tomb. She is like a dead woman. One might fancy she was looking for dead things.

Oscar Wilde escreveu a peça Salomé em 1891. Nesta versão da história evangelista, Salomé, filha de Herodíade e Herodes Antipas, desenvolve uma atracção mórbida por João Baptista, que continuamente acusa de incestuosa a relação dos pais de Salomé. João Baptista, depois de permanecer fechado numa cisterna durante um longo período de tempo, acaba decapitado por Herodes, a pedido de Salomé.

É precisamente na cisterna que começa Fatale. Como João Baptista, ouvimos uma interpretação da dança dos sete véus e vislumbramos Salomé  na dança com que conquista o coração de Herodes, levando-o a acabar com a vida de João Baptista. Os três actos de Fatale, mais próximos de uma instalação artística do que de um conceito normalizado de “jogo”, permitem-nos presenciar e descobrir a peça. A experiência é construída através de pequenos detalhes e rituais, e é completamente original na utilização deste meio.

Parece-me imprescindível a leitura da obra para uma análise correcta da forte carga simbólica de Fatale, pontuada por um desconcertante anacronismo semelhante a elementos da filmografia de Derek Jarman. Todavia, é possível apreciar esta instalação/jogo tendo como únicos referentes a sua intocável direcção artística e design de som. Os modelos das personagens, criados por Takayoshi Sato (Silent Hill 2), são arrepiantes na sua transparência emocional e a música de Gerry de Mol para a dança dos sete véus, longe dos motivos líricos de Richard Strauss, injecta um crescendo percussivo importante para a sequência.



Pena que os artistas da Tale of Tales não tenham os recursos e know-how para optimizar o motor 3D de Fatale. Consequentemente, nem a mais potente máquina consegue comportar os planos mais exigentes, resultando numa experiência desiquilibrada na sua fluidez. Sugestão: é preferível optar pela configuração gráfica de “simple” ou “good” a baixar de resolução.

Apesar das limitações técnicas, Fatale responde ao meu secreto desejo de ver o formato de jogo  caminhar para algo que ultrapassa ideias primitivas de “gameplay” ou “mecânica”. Uma experiência liminarmente original, erudita e com o potencial para abrir portas até agora dogmaticamente fechadas.

3.5/5

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